da Folha de São Paulo, 02/12/2013:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/tatibernardi/2013/12/1379447-a-gente-nao-quer-so-cinema-a-gente-quer-dinheiro.shtml
TATI BERNARDI
A gente não quer só cinema, a gente quer dinheiro
Até meus vinte e três anos estagiei como redatora, de graça, nas principais agências de publicidade de São Paulo. Eu era uma menina brega, sem noção, inexperiente e deslumbrada. Tinha mais era que agradecer o emprego não remunerado bem quietinha e virar a noite digitando. Isso é o que eu pensava na época e, hoje tenho certeza, o que queriam que eu pensasse também.
Como pagamento para as quinze horas diárias de dedicação (incluindo finais de semana) eu ganhava criativas cantadinhas baratas e podia usufruir de belíssimas cadeiras design de frente para computadores de última geração. Eu pertencia a um lugar cool com gente cool e aprendia a ser cool. Pra que salário? Pra que contrato? Pra que férias?
Depois, quando resolvi ser roteirista, com quase trinta anos, passei por tudo isso de novo. Participei de muito seriado (leia-se aqui treze episódios vezes mil tratamentos) e reuniões de longas (leia-se aqui milhões de tratamentos pra no final o filme nem sair) sem ganhar um puto. De novo: eu estava aprendendo. Eu era uma pré-tia que estava mudando de profissão e que, sortudona, podia conviver com gente cool em lugares cool e fazer de conta que eu era cool pra cacete.
O que mais se escuta nesses lugares super descolados (produtoras, agências, editoras) é o papo do "tamo junto". Eles nunca têm como te pagar, ou pelo menos não "agora", mas obviamente o projeto vai dar certo e você, enquanto parceiro, enquanto guerreiro, enquanto gente finíssima e pau pra toda obra, enquanto irmão-brou-truta , vai ganhar muito dinheiro. Quiçá virar sócio. Um dia, lá no futuro, lá pro fim daquele mês que ainda não é o próximo e nem o que virá depois, você vai se dar bem.
Ter escolhido uma profissão mais "artística" foi muito difícil pra mim. Eu fui uma pobre molambenta contadora de moedas até os 30 anos. Explorada indiscriminadamente por todos esses lugares maravilhosos que, não posso negar, também me ensinaram muita coisa. Mas certamente foi ainda mais "puxado" para papy and mamy. Mesmo sem nenhuma condição, os velhos me socorreram em infinitos finais de meses. E o "empréstimo" sempre vinha com um tenso semblante dividido entre a decepção e a preocupação "essa sonsa não vai dar em nada e a gente se fodeu bonito".
Mas a coisa vem mudando há um tempo e esse é o momento da virada. Agora, meus amores, chega. Tomanocu. Peganomeupau. De graça não escrevo mais nem assinatura em talão de cheque. Cobro bem e cobro na data e cobro com multa e cobro e cobro e cobro. Já que, depois de muito tempo tentando, finalmente amadureci, resolvi me dar ao luxo de também só trabalhar com pessoas, projetos e empresas maduras.
O problema é que o mercado "do cinema" carece profundamente de pessoas maduras. Todos posam de super profissionais, com seus óculos de aros muito grossos e pôsteres de longas europeus, mas não têm a menor ideia do que estão fazendo. E me refiro, especificamente, aos adultos pagantes (donos). O culpado disso? Você. Um jovem idiota que (como eu já fui um dia) topa tudo para pertencer a esse mundo cool.
A culpa é da turminha do "ah, faço pelo amor ao cinema". E quanto te pagaram pelo texto? Ah, nada, a revista não tem dinheiro. Ah, nada, o filme ainda tá tentando levantar a grana. Ah, nada, foi um jeito de conhecer a galera e entrar pro canal. Ah, nada, eles são tão legais e eu conheci o Wagner Moura. A culpa desse mercado estar uma palhaçada é sua, seu deslumbradinho de merda. É minha.
Ninguém paga ninguém (e definitivamente ninguém paga ninguém nas datas certas) porque tem sempre um bobão que entende "o mercado" (leia-se: cinema, publicidade, televisão...) como um paraíso "glamourizado" de felicidades absolutas e não como trabalho. Sim, eu não seria feliz como engenheira mas...é só um trabalho!
São meros empregos. Cobre. Cobre. Cobre! Não digo fortunas (calma, antes faça um Cidade de Deus) mas cobre. O justo. O bastante pra você não se sentir um imbecil. O suficiente pra você viver do cinema e não morrer pelo cinema. Artista da fome é coisa de poeta ruim que fica em porta de cinema duas horas por dia e dorme as outras vinte e duas. Amor ao cinema é apartamento quitado e geladeira cheia. O resto é sonho e sonhar depois dos trinta anos ou é coisa de herdeiro ou de gente sem talento.
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