Deu no Estadão de anteontem (04/12): "O Cinema
Brasileiro vai bem, mas a maioria dos filmes vai mal". Os filmes
nacionais representaram 17% do total da bilheteria dos cinemas, uma
marca a comemorar. Aparentemente. Na verdade, do total do faturamento,
15% foram abocanhados por apenas 15 filmes. Somente os 2% restantes
foram resultado da bilheteria dos 100 longas restantes lançados em 2013.
Há definitivamente um descompasso entre o que se produz e o que o
público quer ver. Há um pouco de tudo. Filmes que são subsidiados pelo
Estado e por isso não têm o menor compromisso com o mercado. Competição
acirrada com os blockbusters estrangeiros. Falta de grana para fazer a
publicidade dos filmes. Não sei onde está o problema, mas isso não pode
continuar. Existem filmes bons sendo feitos, mas o público não os vê.
O "filme médio" desapareceu em 2013. Os filmes que tanto os pensadores como a empregada doméstica ouvem falar (mas nenhum assiste). Aqueles que têm por volta de 150 cópias e atingem a marca de 500 mil espectadores. Segundo Camila Pacheco, diretora de marketing da Fox do Brasil, o share do filme médio caiu de 30% para 6% no mercado, mesmo com o aumento do número de salas de exibição, em torno de 7% ao ano, mais que o dobro do PIB.
Muito se falou de "O Som ao Redor". O frisson causado na
intelectualidade, discussões fervorosas sobre se o filme era bom ou
não... para quê? Um filme que no total, apenas 96 mil espectadores
viram. Estamos vivendo numa bolha, discutindo estética totalmente
alienados do que o povo respira? O cinema nacional é um verdadeiro "Das
Glasperlenspiel (O Jogo das Contas de Vidro)", profetizado por Hermann
Hesse em 1931? Será que não percebemos que já estamos chegando em 2014,
quase cem anos de evolução aconteceu lá fora?
http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,artistas-discutem-variacao-da-bilheteria-do-cinema-nacional-em-2013,1103906,0.htm
sexta-feira, 6 de dezembro de 2013
segunda-feira, 2 de dezembro de 2013
Dois textos polêmicos e fundamentais sobre fazer Cinema: Roberto Moreira, Jean-Claude Bernardet e Tati Bernardes (2)
de: O Globo, 21/11/13:
Cinema sem a tutela estatal
- Ainda prevalecem as distorções de um sistema protegido pelo guarda-chuva do Estado, sem necessidade de passar pelo filtro do mercado
JEAN-CLAUDE BERNARDET
ROBERTO MOREIRA
Pela primeira vez em décadas, a produção cinematográfica brasileira retorna o investimento ao Estado, uma mudança de paradigma a ser celebrada. Os projetos apresentados por distribuidoras brasileiras ao Fundo Setorial do Audiovisual retornaram 62,2%. Na linha reembolsável da RioFilmes, entre 2009 e 2012, foram investidos R$ 26,5 milhões em 62 projetos e o retorno, com 32 filmes lançados, foi de R$ 24,6 milhões. Ou seja: retorno de 93% com 52% dos filmes lançados.
Mas ainda prevalecem as distorções de um sistema protegido pelo guarda-chuva do Estado, sem necessidade de passar pelo filtro do mercado para repor suas condições de produção. A maioria dos filmes fica pouquíssimo tempo em cartaz, pois seu custo já está coberto por incentivos e o cineasta não precisa que sua obra seja vista para levantar novas verbas em editais.
A produção acontece filme a filme, o que inviabiliza a consolidação das produtoras. Hector Babenco já observava, há 30 anos, que era preciso montar uma estrutura que permitisse às empresas se capitalizar. “Eles dão o peixe, mas não a vara de pescar”, afirmou recentemente a produtora Mariza Leão. A tutela estatal eterniza a precariedade do setor, pois a distribuição dos recursos atende a pressões corporativas ou a critérios arbitrários e subjetivos de comissões de seleção e patrocinadores.
Sem a urgência da relação com o mercado, os investimentos são pequenos e a realização de cada filme se arrasta por anos, impedindo que o cineasta desenvolva suas competências profissionais. O resultado são filmes ensimesmados, cinemas vazios e cineastas viciados no paternalismo.
Muitos acusam o cinema comercial de captar a maior parte do incentivo fiscal — mas são os filmes a fundo perdido que têm ficado com a parte do leão. Filme comercial é lançado com pelo menos cem cópias. Segundo dados da Ancine, nos últimos dez anos o chamado cinemão recebeu apenas 23% do incentivo. Deveria ser o oposto, já que, como retorna parte do investimento, o custo final para o Estado é menor. O investimento público no cinema comercial cumpre a mesma função do incentivo à pesquisa tecnológica: diminuir o risco. Sua existência não prejudica o cinema de arte; ao contrário, desenvolve talentos, infraestrutura e um ambiente econômico favorável para a atividade como um todo. Um fortalece o outro. Este é o caminho para se conquistar uma produção dinâmica e plural, com um polo industrial forte, que tensione o cinema de autor.
Mas o cinema é só a cereja do bolo. A Lei do Cabo e sua cota para a produção independente criam demanda em escala industrial para consolidar o setor audiovisual. Em 1950, o cineasta Fernando de Barros alertava que o público estava sumindo das salas de cinema, enquanto a venda de aparelhos de TV crescia. “Os homens de cinema devem se unir à TV, e já, enquanto os homens de TV ainda não estão fortes. (...) Mas os homens de cinema não querem saber de nada, parece que têm o rei na barriga”, escreveu. Será que vamos persistir também nesse erro?
Dois textos polêmicos e fundamentais sobre fazer Cinema: Roberto Moreira, Jean-Claude Bernardet e Tati Bernardes (1)
da Folha de São Paulo, 02/12/2013:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/tatibernardi/2013/12/1379447-a-gente-nao-quer-so-cinema-a-gente-quer-dinheiro.shtml
TATI BERNARDI
A gente não quer só cinema, a gente quer dinheiro
Até meus vinte e três anos estagiei como redatora, de graça, nas principais agências de publicidade de São Paulo. Eu era uma menina brega, sem noção, inexperiente e deslumbrada. Tinha mais era que agradecer o emprego não remunerado bem quietinha e virar a noite digitando. Isso é o que eu pensava na época e, hoje tenho certeza, o que queriam que eu pensasse também.
Como pagamento para as quinze horas diárias de dedicação (incluindo finais de semana) eu ganhava criativas cantadinhas baratas e podia usufruir de belíssimas cadeiras design de frente para computadores de última geração. Eu pertencia a um lugar cool com gente cool e aprendia a ser cool. Pra que salário? Pra que contrato? Pra que férias?
Depois, quando resolvi ser roteirista, com quase trinta anos, passei por tudo isso de novo. Participei de muito seriado (leia-se aqui treze episódios vezes mil tratamentos) e reuniões de longas (leia-se aqui milhões de tratamentos pra no final o filme nem sair) sem ganhar um puto. De novo: eu estava aprendendo. Eu era uma pré-tia que estava mudando de profissão e que, sortudona, podia conviver com gente cool em lugares cool e fazer de conta que eu era cool pra cacete.
O que mais se escuta nesses lugares super descolados (produtoras, agências, editoras) é o papo do "tamo junto". Eles nunca têm como te pagar, ou pelo menos não "agora", mas obviamente o projeto vai dar certo e você, enquanto parceiro, enquanto guerreiro, enquanto gente finíssima e pau pra toda obra, enquanto irmão-brou-truta , vai ganhar muito dinheiro. Quiçá virar sócio. Um dia, lá no futuro, lá pro fim daquele mês que ainda não é o próximo e nem o que virá depois, você vai se dar bem.
Ter escolhido uma profissão mais "artística" foi muito difícil pra mim. Eu fui uma pobre molambenta contadora de moedas até os 30 anos. Explorada indiscriminadamente por todos esses lugares maravilhosos que, não posso negar, também me ensinaram muita coisa. Mas certamente foi ainda mais "puxado" para papy and mamy. Mesmo sem nenhuma condição, os velhos me socorreram em infinitos finais de meses. E o "empréstimo" sempre vinha com um tenso semblante dividido entre a decepção e a preocupação "essa sonsa não vai dar em nada e a gente se fodeu bonito".
Mas a coisa vem mudando há um tempo e esse é o momento da virada. Agora, meus amores, chega. Tomanocu. Peganomeupau. De graça não escrevo mais nem assinatura em talão de cheque. Cobro bem e cobro na data e cobro com multa e cobro e cobro e cobro. Já que, depois de muito tempo tentando, finalmente amadureci, resolvi me dar ao luxo de também só trabalhar com pessoas, projetos e empresas maduras.
O problema é que o mercado "do cinema" carece profundamente de pessoas maduras. Todos posam de super profissionais, com seus óculos de aros muito grossos e pôsteres de longas europeus, mas não têm a menor ideia do que estão fazendo. E me refiro, especificamente, aos adultos pagantes (donos). O culpado disso? Você. Um jovem idiota que (como eu já fui um dia) topa tudo para pertencer a esse mundo cool.
A culpa é da turminha do "ah, faço pelo amor ao cinema". E quanto te pagaram pelo texto? Ah, nada, a revista não tem dinheiro. Ah, nada, o filme ainda tá tentando levantar a grana. Ah, nada, foi um jeito de conhecer a galera e entrar pro canal. Ah, nada, eles são tão legais e eu conheci o Wagner Moura. A culpa desse mercado estar uma palhaçada é sua, seu deslumbradinho de merda. É minha.
Ninguém paga ninguém (e definitivamente ninguém paga ninguém nas datas certas) porque tem sempre um bobão que entende "o mercado" (leia-se: cinema, publicidade, televisão...) como um paraíso "glamourizado" de felicidades absolutas e não como trabalho. Sim, eu não seria feliz como engenheira mas...é só um trabalho!
São meros empregos. Cobre. Cobre. Cobre! Não digo fortunas (calma, antes faça um Cidade de Deus) mas cobre. O justo. O bastante pra você não se sentir um imbecil. O suficiente pra você viver do cinema e não morrer pelo cinema. Artista da fome é coisa de poeta ruim que fica em porta de cinema duas horas por dia e dorme as outras vinte e duas. Amor ao cinema é apartamento quitado e geladeira cheia. O resto é sonho e sonhar depois dos trinta anos ou é coisa de herdeiro ou de gente sem talento.
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/tatibernardi/2013/12/1379447-a-gente-nao-quer-so-cinema-a-gente-quer-dinheiro.shtml
TATI BERNARDI
A gente não quer só cinema, a gente quer dinheiro
Até meus vinte e três anos estagiei como redatora, de graça, nas principais agências de publicidade de São Paulo. Eu era uma menina brega, sem noção, inexperiente e deslumbrada. Tinha mais era que agradecer o emprego não remunerado bem quietinha e virar a noite digitando. Isso é o que eu pensava na época e, hoje tenho certeza, o que queriam que eu pensasse também.
Como pagamento para as quinze horas diárias de dedicação (incluindo finais de semana) eu ganhava criativas cantadinhas baratas e podia usufruir de belíssimas cadeiras design de frente para computadores de última geração. Eu pertencia a um lugar cool com gente cool e aprendia a ser cool. Pra que salário? Pra que contrato? Pra que férias?
Depois, quando resolvi ser roteirista, com quase trinta anos, passei por tudo isso de novo. Participei de muito seriado (leia-se aqui treze episódios vezes mil tratamentos) e reuniões de longas (leia-se aqui milhões de tratamentos pra no final o filme nem sair) sem ganhar um puto. De novo: eu estava aprendendo. Eu era uma pré-tia que estava mudando de profissão e que, sortudona, podia conviver com gente cool em lugares cool e fazer de conta que eu era cool pra cacete.
O que mais se escuta nesses lugares super descolados (produtoras, agências, editoras) é o papo do "tamo junto". Eles nunca têm como te pagar, ou pelo menos não "agora", mas obviamente o projeto vai dar certo e você, enquanto parceiro, enquanto guerreiro, enquanto gente finíssima e pau pra toda obra, enquanto irmão-brou-truta , vai ganhar muito dinheiro. Quiçá virar sócio. Um dia, lá no futuro, lá pro fim daquele mês que ainda não é o próximo e nem o que virá depois, você vai se dar bem.
Ter escolhido uma profissão mais "artística" foi muito difícil pra mim. Eu fui uma pobre molambenta contadora de moedas até os 30 anos. Explorada indiscriminadamente por todos esses lugares maravilhosos que, não posso negar, também me ensinaram muita coisa. Mas certamente foi ainda mais "puxado" para papy and mamy. Mesmo sem nenhuma condição, os velhos me socorreram em infinitos finais de meses. E o "empréstimo" sempre vinha com um tenso semblante dividido entre a decepção e a preocupação "essa sonsa não vai dar em nada e a gente se fodeu bonito".
Mas a coisa vem mudando há um tempo e esse é o momento da virada. Agora, meus amores, chega. Tomanocu. Peganomeupau. De graça não escrevo mais nem assinatura em talão de cheque. Cobro bem e cobro na data e cobro com multa e cobro e cobro e cobro. Já que, depois de muito tempo tentando, finalmente amadureci, resolvi me dar ao luxo de também só trabalhar com pessoas, projetos e empresas maduras.
O problema é que o mercado "do cinema" carece profundamente de pessoas maduras. Todos posam de super profissionais, com seus óculos de aros muito grossos e pôsteres de longas europeus, mas não têm a menor ideia do que estão fazendo. E me refiro, especificamente, aos adultos pagantes (donos). O culpado disso? Você. Um jovem idiota que (como eu já fui um dia) topa tudo para pertencer a esse mundo cool.
A culpa é da turminha do "ah, faço pelo amor ao cinema". E quanto te pagaram pelo texto? Ah, nada, a revista não tem dinheiro. Ah, nada, o filme ainda tá tentando levantar a grana. Ah, nada, foi um jeito de conhecer a galera e entrar pro canal. Ah, nada, eles são tão legais e eu conheci o Wagner Moura. A culpa desse mercado estar uma palhaçada é sua, seu deslumbradinho de merda. É minha.
Ninguém paga ninguém (e definitivamente ninguém paga ninguém nas datas certas) porque tem sempre um bobão que entende "o mercado" (leia-se: cinema, publicidade, televisão...) como um paraíso "glamourizado" de felicidades absolutas e não como trabalho. Sim, eu não seria feliz como engenheira mas...é só um trabalho!
São meros empregos. Cobre. Cobre. Cobre! Não digo fortunas (calma, antes faça um Cidade de Deus) mas cobre. O justo. O bastante pra você não se sentir um imbecil. O suficiente pra você viver do cinema e não morrer pelo cinema. Artista da fome é coisa de poeta ruim que fica em porta de cinema duas horas por dia e dorme as outras vinte e duas. Amor ao cinema é apartamento quitado e geladeira cheia. O resto é sonho e sonhar depois dos trinta anos ou é coisa de herdeiro ou de gente sem talento.
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